Ao final da unidade II, esperamos que você seja capaz de:

Filosofia Clássica e a Concepção de Homem

Nesta videoaula conversaremos um pouco sobre a chamada filosofia pré-socrática e sua relação com a fundação da Filosofia Clássica e de como a realidade era interpretada antes desse tempo. 

FILOSOFIA CLÁSSICA E A CONCEPÇÃO DE HOMEM

Tendo na unidade de ensino anterior contextualizado a Antropologia Filosófica, vamos proceder a uma descrição cronológica das concepções sobre o homem, identificando ao longo da história da filosofia ocidental perspectivas à pergunta “O que é o Homem?”

Para a compreensão necessária à esta disciplina, utilizaremos a organização dos períodos propostos pela historiografia filosófica, a saber: período pré-socrático ou cosmológico, período antropológico ou socrático e período helenístico romano. (CHAUI, 2002) O período helenístico romano será assunto da próxima unidade de ensino.

PRIMEIRO PERÍODO: A COSMOLOGIA E OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS

A filosofia nasce como uma cosmologia. E o que significa isso?

O nascimento da filosofia, com Tales de Mileto, surge como uma cosmologia, onde o termo o cosmo indica uma ordem da natureza e do mundo. Há na cosmologia uma tentativa racional de explicar a realidade. O estranhamento e indagações dos primeiros filósofos, também chamados de físicos, pois tinham interesse pelos aspectos físicos da realidade, tais como a água e o fogo, era sobre a estabilidade e o movimento da natureza e do mundo. (CHAUI, 2002)

Naquele momento histórico, a filosofia buscava um princípio organizador e absoluto, um princípio universal que pudesse explicar todas as coisas denominado de ARKHÉ ou PYSYS. Os filósofos pré-socráticos estão interessados na origem da natureza, por isso também foram chamados de filósofos da natureza. Estavam também interessados na permanência e na transformação do corpo e da alma. Estas diferenciações irão compor posteriormente as distinções entre os conhecimentos da alma e conhecimentos da natureza.

No quadro abaixo destacamos alguns filósofos da natureza, o ARKHÉ ou PYSYS orientador de seus pensamentos, argumentos e contribuições principais: Os filósofos pré-socráticos ou da natureza

Quadro 2

Filósofo ARKHÉ ou PYSYS Argumentos Norteadores Principais Contribuições
Tales de Mileto (cerca de 610/597 ou 548 a.C.)
A água está diretamente ligada a vida e se apresenta sob as mais variadas formas: solido, líquido e gasoso.
A água é o princípio ordenador do cosmo e de transformação da vida. Explica a natureza por causas que são internas a ela
A importância da observação empírica (prática) e da análise conceitual para explicar tudo que é vivo.
Pitágoras (cerca de 580/78-497/6 a.C
Os números e a linguagem matemática
O universo tem uma base numérica; A natureza é ordenada por proporções matemáticas e os números demonstram a harmonia e ordem do universo
Estudos de matemática, geometria e estruturas musicais
Heráclito (cerca de 540-470 a.C.)
O fogo é o elemento que provoca mudança
Pensamento paradoxal: a única coisa constante no universo é a transformação A mudança vem da tensão entre elementos opostos e complementares O mundo como devir eterno. “Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio.”
Contribuições à filosofia existencialista
Parmênides (cerca de 530-460 a.C.)
Busca a essência das coisas
O movimento e a mudança são ilusões O Ser é eterno e imutável
Princípio de identidade da Lógica
Anaxágoras (cerca de 500-428 a.C.)
Não existe um único elemento responsável pela origem das coisas
A diversidade dos elementos se combina para originar a realidade e existe relação entre todas as coisas do universo A distribuição e a combinação dos elementos ocorrem de forma mecânica.
Demócrito (cerca de 460-370 a.C.)
Os átomos não obedecem a uma lei superior e única
É possível dividir a matéria em pequenos pedaços até chegar a um ponto em que não é possível dividir mais. Todo o universo seria composto por átomos em movimento de diferentes formas e tamanhos. Existem átomos do corpo e átomos da alma.
Sistematização inicial da teoria atomista Deixou a herança para o futuro de três doutrinas: mecanicismo, reducionismo e determinismo.

PARA REFLETIR

A partir desse panorama sobre os filósofos pré-socráticos, qual deles, você pensa estar mais próximo às questões, conceitos e objetos de estudo de sua área e curso de formação? Por quê?
Este primeiro período, momento no qual a Filosofia trata da origem do mundo, das causas de permanências e de transformações na natureza é demarcado do final do século VII a.C ao final do século V a.C. (CHAUI, 2002)

Os filósofos da natureza não são assunto do passado ou de curiosidade histórica. Suas visões são arcabouços iniciais tanto de argumentos filosóficos como científicos que se desenvolveram posteriormente até a atualidade. A pesquisa atual em filosofia realizada por Polito e Filho (2013) destaca a estreita relação entre o pensamento dos pré-socráticos com as concepções cientificas na Idade Moderna.

LEITURA COMPLEMENTAR

Para ampliar sua compreensão dos princípios do pensamento pré-socrático e de sua atualidade leia o artigo A filosofia da natureza dos Pré-Socráticos.

Nos filósofos pré-socráticos inicia se uma linha de transição sobre a concepção de homem que para Vaz (1998) tem as seguintes características: a) a equivalência do olhar humano e a ordem do cosmos, b) a ideia do homem como estrutura corporal-espiritual, c) a ênfase da educação grega (paideia) da qual os sofistas irão participar ativamente. “Ao longo do séc. V a.C., o problema antropológico sobrepõe-se pouco a pouco ao problema cosmológico como centro teórico de interesse na filosofia grega.” (VAZ, 1998, p. 31)

Segundo período: antropológico ou socrático

Figura 4 – Sócrates, Platão e Aristótles

OS SOFISTAS E SÓCRATES

Nesta videoaula dialogo sobre o segundo momento da historiografia filosófica e principalmente sobre as características do pensamento socrático e quais rumos irá tomar posteriormente.

O segundo período da filosofia grega ocorre em uma Atenas urbana, de comercio e artesanato, aristocrática e fundiária. Utilizava o trabalho escravo e reservava os direitos e educação para o desenvolvimento do corpo e da alma dos jovens nobres para engrandecer a arte da guerra.

Esses princípios que orientavam a cultura grega serão estremecidos por um contexto histórico de transformações em muitos âmbitos da vida social, conforme sublinha Chaui (2002, p. 157)

“Sem dúvida, a cidade precisa de guerreiros belos e bons, mas precisa, antes de tudo e acima de tudo, de bons cidadãos. Para o cidadão da democracia, a areté aristocrática é inaceitável, pois fundada nos privilégios do sangue e das linhagens. Para formá-lo, uma nova paideía com uma nova areté tomara-se necessária.”

Assim, se observa em toda a Grécia, e especialmente em Atenas, novos valores que vão enfrentar os privilégios da nobreza para estabelecer por meio da racionalidade a democracia grega. No novo contexto da política ateniense, a educação dos cidadãos vai ter o propósito de formar e educar para a direção, gestão e participação na vida de uma polis (cidade) que deve orientar se pelo bem comum. É uma educação política, ética e moral. CHAUI (2002)

Os sofistas eram estrangeiros em Atenas e foram os primeiros professores pagos na educação. Ensinavam arte, cultura, política e retórica, sempre com foco na utilidade e funcionalidade do saber.

Embora houvesse diversidade de saberes e técnicas utilizadas, “todos os sofistas, porém, eram peritos numa arte necessária aos membros de uma democracia, a arte da palavra; e cobravam para ensiná-la.” (CHAUI, 2002, p. 162). Ensinavam a arte de persuadir nos debates. Para um sofista a verdade seria sempre relativa a depender da capacidade de convencer do orador.

Os sofistas foram severamente criticados pela aristocracia que temia que outras classes sociais desenvolvessem habilidades de conversação e pudessem disputar o poder nas assembleias e tribunais.

Foram também criticados por socráticos, mas a crítica de Sócrates e seus discípulos aos sofistas se dava em outro ponto: a educação sofística era mais para a arte da oratória que para o desenvolvimento da racionalidade. Sócrates reage ao relativismo do ensinamento dos sofistas, pois era baseado em doxas e estavam comprometidos pelas exigências e interesses daqueles que pagavam pelas aulas. (CHAUI, 2002).

PARA SABER

Doxa é um termo grego utilizado pela Lógica e que significa a opinião ligada à crença, sem necessidade de qualquer fundamento científico ou lógico. Sendo assim, as pessoas podem ter opiniões absurdas e descompromissadas sobre qualquer assunto, ainda que evidências científicas mostrem o contrário.

O CONHECIMENTO DE SI É O VERDADEIRO CONHECIMENTO

A historiografia filosófica nos conta que Sócrates teria nascido em Atenas e vivido entre os anos de 470-399 a.C. O próprio filósofo não registrou seu pensamento. A reconstituição de sua vida e de seu ensinamento vieram dos depoimentos de seus contemporâneos, posteriormente a sua morte. Os registros do ensino socrático vieram ainda de forma mais sistematiza por meio de seus discípulos.

Nesse sentido, destaca se Platão e, especialmente, a obra Diálogos, que são transcrições aproximadas das conversas de Platão com o seu mestre.

Assim, são de Platão os registros principais que marcaram a cultura grega e definiram toda herança que Sócrates deixou ao ocidente e para o desenvolvimento e estruturação do conhecimento científico. O Sócrates retratado nesses registros é o filosofo maduro em sua missão de dialogar para despertar nos homens o conhecimento de si mesmos para conhecerem também a realidade que os cercam visando desenvolverem a virtude necessária para vida de justiça na cidade. (CHAUI, 2000).

O MÉTODO SOCRÁTICO: “CONHECE-TE A TE MESMO” E “SÓ SEI QUE NADA SEI”

O celebre princípio do método socrático – “conhece-te a ti mesmo” e seu complemento “só sei que nada sei” intencionava que cada pessoa descobrisse por si próprio, por meio de sua razão aquilo que visava conhecer.

Para Sócrates a busca do conhecimento e da verdade não é externa ao homem, e portanto, não deve ser procurada for do próprio homem. Chaui (2002) destaca do ensinamento socrático seu pilar:

“Se não conseguimos contemplar a verdade na natureza é porque fomos buscá-la no lugar errado: não está fora de nós, mas dentro de nós. Por que sabemos que a verdade existe e está em nós, em nossa alma, nossa psykhé? Se não contemplamos a verdade em parte alguma do mundo, de onde vem que saibamos que certas coisas são falsas e outras são verdadeiras? De onde provém a noção de verdade? Sócrates trabalha de tal maneira que o interlocutor possa responder: vem de nós mesmos, isto é, dos juízos que fazemos sobre as coisas. Se temos dificuldade para encontrá-la é porque vivemos como autômatos que obedecem cegamente a ordens externas, isto é, porque aceitamos passivamente os preconceitos estabelecidos. O pensamento desloca-se, portanto, da contemplação exterior à contemplação interior.” (CHAUI, 2002, p.190)

Sócrates estabelece um método de construção do conhecimento chamado de maiêutica, composto de quatro momentos:

  1. Exortação: consiste num convite para que o interlocutor apresente uma questão a examinar.
  2. Indagação: consiste numa série de perguntas ao interlocutor para que este deixe de pensar como doxa.
  3. Ironia: “Só sei que nada sei”. Consiste em refutação, desestruturação do saber pré estabelecido que possa levar a dissolução das imagens, sensações, ideias e julgamentos preconcebidos sobre o assunto.
  4. Maiêutica: consiste no caminho que produza um saber verdadeiro sobre o que se investiga.

PARA SABER

Maiêutica (do gr. maieutiké: arte do parto) 1. No Teeteto, Platão mostra Sócrates definindo sua tarefa filosófica por analogia à de urna parteira (profissão de sua mãe), sendo que ao invés de dar à luz crianças, o filósofo dá à luz ideias. O filósofo deveria, portanto, segundo Sócrates, provocar nos indivíduos o desenvolvimento de seu pensamento de modo que estes viessem a superar sua própria ignorância, mas através da descoberta, por si próprios, com o auxílio do “parteiro”, da verdade que trazem em si.

(JAPIASSÚ, MARCONDES, 2001)

Sócrates foi considerado uma ameaça política à democracia ateniense, além de acusado de ser um perigo aos jovens. Foi denunciado e julgado por uma extensa assembleia que propôs a ele que renunciasse a filosofia em troca da absolvição, o que Sócrates não considerou. Não fugiu, compareceu ao julgamento e foi condenado a tomar um veneno chamado cicuta. Em seu discurso antes da morte Sócrates reitera seu amor pela filosofia e prática seu método questionando os presentes:

“Com efeito, atenienses, temer a morte não é senão acreditar-se sábio quando não se é, pois é acreditar que se sabe o que não se sabe. Ninguém sabe o que é a morte e se não seria, para os homens, o supremo bem; mas quem a teme julga conhecê-la e está seguro de que é o maior dos males. Não é isto a verdadeira e condenável ignorância: crer que se sabe o que não se sabe? Talvez seja por isso, juízes, que sou diferente da maioria dos homens [… ] temo os males que conheço, mas as coisas que não sei se são boas ou não, jamais as temerei nem delas fugirei [… ].”

Transcrição de Platão em Apologia

Há no pensamento de Sócrates uma virada fundamental onde o conhecer não é algo que vem de fora, da natureza e seus elementos, mas sobretudo, vem do próprio homem por meio de seu pensamento. Ele inaugura uma perspectiva antropológica do mundo.

INDICAÇÃO DE VÍDEO

Compreenda melhor o percurso de Sócrates para inaugurar a filosofia clássica assistindo ao vídeo Sócrates: o filósofo das perguntas. Andrei Venturini

PLATÃO E O MUNDO SUPRASSENSÍVEL OU MUNDO DAS IDEIAS

Quando você desliza seus dedos no smartphone para acompanhar alguma rede social aparecem uma vastidão de imagens, frases, sons e informações. Você considera confiável tudo que seus olhos veem e leem, tudo que seus ouvidos ouvem e tudo o que seus demais sentidos te ofertam?

O filósofo Platão não sendo nosso contemporâneo não vivenciou a realidade virtual das redes sociais, mas há mais de vinte e cinco séculos atrás estava interessado em problematizar como nossos sentidos podem nos confundir a interpretar os acontecimentos e o mundo.

Platão pertenceu a uma família de prestígio aristocrático e viveu entre 428 a.C e 347 a.C. Conheceu uma Atenas de expansão econômica e cultural e o auge dos princípios da política grega cidadã, mas também vivenciou uma Atenas abatida por batalhas, abrandada filosoficamente e decadente em relação a pólis democrática. (CHAUI, 2002).

Figura 5 – Academia de Platão

A ACADEMIA DE PLATÃO foi o primeiro instituto de investigação filosófica do Ocidente. Em vez de transmitir valores éticos e políticos, a Academia ensinava a criá-los, isto é, a propô-los a partir da reflexão e da teoria. Nela prevaleceu o espírito socrático: a discussão oral e o desenvolvimento do vigor intelectual do estudante eram mais importantes do que as exposições escritas. (CHAUI, 2002, p. 226)

Platão é um filósofo lido, refutado, interpretado desde o início de seu pensamento e até os dias de hoje seus comentadores recolhem de temas éticos a teológicos, de física a política, de linguagem a psicologia. Conforme indica Chaui (2002) os pesquisadores da sua obra se dividem em argumentar que a política foi o tema central de sua filosofia, enquanto outros apontam as questões do ser e não ser e da teoria do conhecimento como eixos de seu ensino. “A obra platônica são os escritos de Platão, motivados pelas questões teóricas e práticas de seu tempo, e a posteridade filosófica que seus escritos tiveram a força para suscitar.” (p. 244)

Sendo o discípulo mais brilhante de Sócrates herdou a manutenção do diálogo e debate para promover a verdade. Platão compartilhava também do argumento que o conhecimento vinha do próprio homem. Platão foi além das contribuições socráticas e fez avançar os fundamentos da filosofia, a teorização dos conceitos e construção de critérios para o caminho do conhecimento e da verdade. (MARCONDES, 2008).

Falo sobre as contribuições do filósofo Platão a respeito da pergunta (“O que é o homem?” ) e dos pontos principais de seu pensamento na videoaula a seguir.

Como o conhecimento é construído? Essa foi uma das perguntas que Platão dedicou se a responder e que será a vertente destacada no conteúdo da disciplina.

A DICOTOMIA PLATÔNICA E A DIALÉTICA COMO INSTRUMENTO PARA O CONHECIMENTO E O BEM

Em Platão o termo dialética vem etimologicamente do verbo dialogar, ou seja, está relacionada a uma interlocução. Para Japiassú e Marcondes (2001, p. 36), “uma pedagogia científica do diálogo graças ao qual o aprendiz de filósofo, tendo conseguido dominar suas pulsões corporais e vencer a crença nos dados do mundo sensível, utiliza sistematicamente o discurso para chegar à percepção das essências, isto é, à ordem da verdade.”

A filosofia de Platão buscou explicar o processo por meio do qual nos distanciamos das opiniões ou doxas do mundo para o campo do verdadeiro conhecimento. Esse procedimento é o método da dialética platônica demostrado especialmente nas obras Carta Sétima e República. Essa metodologia visa o exame crítico das ações e atividades cognitivas desenvolvidas por aquele que busca conhecer algo. Ao proceder a esse exame com seu método, Platão apresenta o caminho para o conhecimento. (CHAUI, 2002).

A dialética como método de argumentação e debate de ideias opostas e antagônicas, considera que as contradições do pensamento são recursos fundamentais para o alcance do conhecimento legitimo sobre alguma coisa ou algo. Nesse aspecto, se observa um retorno de Platão a parte do pensamento de Heráclito. (MARCONDES, 2008).

As incoerências e contraditórios dos argumentos na interlocução são admitidos desde que temporariamente, para que depois possam se radicalizar até encontrar a essência da verdade.

A dicotomia em Platão pode ser colocada nos seguintes pares antagônicos (MARCONDES, 2008):

  • OPINIÃO X   VERDADE
  • DESEJO X   RAZÃO
  • INTERESSE PARTICULAR X   INTERESSE UNIVERSAL
  • SENSO COMUM X   FILOSOFIA


Essas dicotomias fazem parte, as da direita do mundo sensível relativo ao corpo e as aparências das doxas, enquanto as da esquerda são referentes ao mundo supra sensível (além das sensações) ou mundo das ideais (mundo do conhecimento) sendo o lugar da verdade legitima e do Bem para uma vida justa em sociedade. No quadrante abaixo vemos um esquema da teoria platônica:

Figura 6

O procedimento dialético de acessar o mundo das ideias parte de um nível inferior a um nível de conhecimento mais complexo da realidade, pressupondo uma hierarquia dos conhecimentos. Platão rompe com o mundo sensível, mas não o nega pois todo o exame crítico do método se dá a partir da realidade sensível, apreendida pelas sensações. (MARCONDES, 2008).

O MITO OU ALEGORIA DA CAVERNA: ILUSTRANDO A TEORIA DO CONHECIMENTO

Um mito é narrativa que por meio da linguagem simbólica, da metáfora, oferece uma explicação sobre algo. Uma alegoria pode ser tomada como uma representação do mito, uma imagem, um ícone da história metafórica.

Sócrates haveria tido com Glauco um diálogo no qual tentava explicar ao seu interlocutor como o homem deixa o senso comum e as opiniões e alcança a verdade, a justiça e o Bem. Para tal, constrói uma narrativa sobre a trajetória de um prisioneiro que tendo podido deixar a caverna e conhecer a realidade externa e desfrutar de muitas coisas, retorna para esclarecer e indicar o caminho os demais presos da caverna.   

Platão descreve esse Mito da Caverna, diálogo entre Sócrates e Glauco no texto A República, livro VII para ilustrar sua teoria do conhecimento. Trata se de um dos textos mais conhecidos e reproduzidos do pensamento platônico.  (MARCONDES, 2008).

INDICAÇÃO DE VÍDEO

O Mito da Caverna de Platão

Mito da caverna

O vídeo retoma de forma breve a trajetória de Platão, narra esta alegoria para por meio da comparação ilustrar a teorização sobre a verdade. Além disso faz provocações e reflexões acerca de possíveis relações coma atualidade.

Segundo Marcondes (2008):

“A obra de Platão se caracteriza como a síntese de uma preocupação com a ciência (o conhecimento verdadeiro e legítimo), com a moral e a política. Envolve assim um reconhecimento da função pedagógica e política da questão do conhecimento. Sua conclusão é que o conhecimento em seu sentido mais elevado identifica-se com a visão do Bem.” (MARCONDES, 2008, P. 54).

O método platônico não é apenas uma metodologia que ficou presa no tempo de sua época. Além de sistematizar a própria filosófica, o método de Platão é a base que vai amparar o método científico e marcar a diferença entre o senso comum e o conhecimento da ciência.

Na videoaula a seguir apresento os principais pontos do pensamento do filósofo Aristóteles com suas contribuições e críticas. Assista para saber mais.

ARISTÓTELES: A METAFÍSICA, OS MODOS DE SER E A DIVISÃO DO CONHECIMENTO

Figura 7 – A Escola de Atenas

Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/a-heranca-de-platao-e-aristoteles

A imagem acima “A Escola de Atenas” é uma pintura do século XVI do italiano Rafael Sanzio. Na obra, ao centro aparecem Platão de toga vermelha ao lado de Aristóteles de toga azul. Porém há no quadro uma distinção mais significativa do que as cores: a mão de Platão que indica para o mundo das ideias e a mão de Aristóteles que para o chão dá ênfase a materialidade da realidade. Esta e outras discordâncias do pensamento aristotélico em relação ao platônico, abordaremos neste tópico.

Você se lembra que na unidade I a filosofia é inicialmente caracterizada como a ação de estranhamento e surpresa diante do mundo? Lembra ainda que a filosofia também não é um saber que consiste em ter uma utilidade? Pois então, essas definições foram concebidas por Aristóteles. 

Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estágira, na Macedônia. Foi o mais brilhante discípulo de Platão, mas posteriormente fundou sua própria escola de filosofia, o Liceu, e construiu sua teoria a partir das críticas tanto à filosofia pré-socrática como a filosofia platônica. (MARCONDES, 2008).

Aristóteles tem dois principais pontos de crítica ao pensamento de Platão. O primeiro foi em relação ao dualismo corpo e mente, e aos demais elementos dicotômicos relativos ao sensível e ao suprassensível. 

A segunda crítica relacionada a primeira diz respeito a inconsistência da teoria platônica das ideias pois em seus argumentos não explica a origem das coisas, não desenvolve um conhecimento universal e necessário da realidade suficientes para acessar o mundo. Trata se de uma crítica epistemológica, ou seja, a maneira mesma pela qual Platão construiu a explicação entre as dicotomias do mundo sensível e do mundo supera sensível (da alma). Chaui (2002) sintetiza a censura à Platão no trecho abaixo:

O mundo das Ideias é, no fim das contas, um mero duplo verbal do mundo sensível, uma duplicação irreal, desnecessária e perigosa, pois torna o nosso mundo e a nossa vida sem sentido. Aristóteles se esforçará para mostrar que o inteligível está no sensível, que é possível uma ciência verdadeira do sensível, isto é, um conhecimento universal e necessário das coisas sensíveis. (CHAUI, 2002, p. 355).

A METAFÍSICA: OS MODOS E A CAUSALIDADO DO SER

A metafisica é a nomeação que Andronico de Rodes, organizador da obra de Aristóteles dá ao conjunto de textos que se seguiam ao tratado de física. Assim, significa após a física ou além da física. Na tradição clássica e escolástica metafisica seria uma filosofia primeira, o ponto de partida de todo sistema filosófico, relativa aos pressupostos que examinam os princípios e as causas primeiras. Nesse sentido, é uma doutrina que se pretende universal do ser e das coisas em geral, incluindo ainda a doutrina do Ser Divino e do Ser Supremo. (JAPIASSÚ E MARCONDES, 2001)

Destacaremos da Metafisica aristotélica aspectos centrais da teoria do Ser e da construção do Conhecimento.

O sistema filosófico de Aristóteles visa superar os paradoxos sem solução da relação mundo sensível e mundo das ideias de Plantão. O ponto de partida para escapar ao dualismo seria tomar a realidade composta por indivíduos materiais concretos, que possuem matéria e forma indissociáveis. (MARCONDES, 2008).

Na Teoria do Ser, Marcondes (2008, p. 80) realça que em Aristóteles “É o intelecto humano que, pela abstração, separa matéria de forma no processo de conhecimento da realidade, relacionando os objetos que possuem a mesma forma e fazendo abstração de sua matéria, de suas características particulares.”

Para construir a Teoria do Ser, Aristóteles demarca algumas distinções fundamentais que levam a responder o que causa o Ser? O que é responsável pelas modificações do Ser?
Essência e acidente são características do ser, onde essência é aquilo que subjaz, que constitui o ser, a própria substância do ser, sendo, portanto, permanente ao ser. O acidente diz respeito as características mutáveis, mas que não afetam a substância do ser das coisas. Aristóteles dá o seguinte exemplo: “Sócrates é um ser humano”, o que designa sua essência, e “Sócrates é calvo”, o que descreve uma característica acidental.

Necessidade e contingência devem ser pensadas como correspondentes às características anteriores. Assim, “As características essenciais são necessárias, ou seja, a coisa não pode deixar de tê-las, caso contrário deixaria de ser o que é, ao passo que os contingentes são variáveis e mutáveis. (MARCONDES, 2008, p. 81).

Ato e potência são o terceiro par de características do ser e também elucidam a mudança e a transformação. Aqui temos o clássico exemplo da semente e arvore, onde uma semente é, em ato, semente, enquanto a árvore é ao mesmo tempo ato em árvore e potência em ser lenha.

Sobre o problema da causalidade do ser não resolvido pelas filosofias anteriores a teoria aristotélica distingue quatro dimensões da causalidade, conforme comentada por Marcondes (2008):

  1. Causa formal: é o modelo ou formato que faz com que a coisa seja o que é. É o que dá forma a uma estátua, exemplo de Aristóteles.
  2. Causa material: é o material da qual a coisa é feita, que constitui a coisa. A estátua poderia ser de bronze, ou mármore, etc.
  3. Causa eficiente: é o motor, o agente que promove a transformação da coisa. O que fez com que a estátua viesse a ser estatua? Nessa situação seria o artesão.
  4. Causa final: é a finalidade, o propósito da coisa. Para que serve a estátua? A estátua poderia ter finalidade decorativa ou prestar uma homenagem. (MARCONDES, 2008)

INDICAÇÃO DE VÍDEO

Para revisar e ampliar as informações sobre a Teoria do ser, e conhecer mais assista conheça a história e as ideias de Aristóteles.

A METAFÍSICA: O CONHECIMENTO

Aristóteles abre sua metafisica com a afirmação celebre: “Todos os homens por natureza desejam saber”. A partir de então indica a visão como dimensão sensorial privilegiada às demais, diferencia as sensações dos animais das sensações humanas, adverte a peculiaridade da memória humana para promover experiências, caracteriza a experiência, a arte (ou técnica) e o conhecimento (ou ciência) e as hierarquiza nessa sequência. Ou seja, segundo Chaui (2002) atrela o conhecimento a: discriminar, diferenciar, distinguir e reunir, indicando a visão teórica e intelectual como a forma mais alta de conhecimento, cabendo a filosofia conhecer todas as formas do ser já que participa da totalidade dos saberes.                                                                                         

No sistema aristotélico de conhecimento a ciência é o saber teórico sobre a realidade, composto de áreas especificas tais como ciência do mundo natural, a matemática e a filosofia. No mundo natural estão a física e astronomia, as ciências da vida biológica e a psicologia. A psicologia ficaria a cargo de examinar as diferentes funções da alma e do intelecto além da memória e das sensações. (MARCONDES, 2008) 

Quanto ao saber prático, este se refere a ética e a política. Seu campo de ação é o das normas que asseguram ações corretas e eficazes. A política se articula com a ética pois a ação virtuosa é aquela orientada aos outros, para a vida social na polis. Já o saber produtivo articula as artes produtivas ou criativas. 

Aristóteles concebe o processo de conhecer como processual, linear e feito de etapas cumulativas. O início desse processo ocorre por meio das sensações e sentidos que captam a realidade. Ao contrário de Plantão que considerava os sentidos como relativo as sombras, Aristóteles valoriza o mundo sensorial. (MARCONDES, 2008).

As percepções sensoriais precisam de memória para retenção das informações que captadas. Da soma de sensações com a memória forma se a experiência e será a partir da experiência acumulada que pode se estabelecer relações dos dados sensoriais. Esses aspectos são do conhecimento prático.

O estágio seguinte é o da técnica ou da arte, é um saber aplicado no qual existe um campo de regras que produzem resultados. A técnica é superior a prática pois apenas com a prática não se sabe o que faz e de que modo realiza.

Na última etapa está o conhecimento teórico, abstrato e genérico que não tem objetivos práticos ou finalidade imediata. Dentre os conhecimentos teóricos a filosofia seria o tipo mais elevado por ser ainda mais contemplativa e sem funcionalidade imediata. Marcondes (2008) indica um esquema proveitoso a compreensão:

Figura 9

PARA REFLETIR

Quais críticas poderiam ser feitas a essa concepção hierarquizada do conhecimento? Essa concepção ainda vigora na ciência atual? Quais seus impactos em termos das diferenciações e desigualdades sociais?

Verificamos que no percurso de Aristóteles podemos extrair de suas obras elementos que vieram a compor a história do pensamento psicológico e posteriormente questões que são referência para a psicologia como ciência. Nesse sentido, destaca se a sistematização aristotélica do conhecimento que aloca a psicologia no campo das ciências da natureza e antecipa mesmo alguns objetos de sua pesquisa. Muitos aspectos do fluxo do conhecimento em Aristóteles configuram o que chama se na psicologia de processos psicológicos básicos: sensação, percepção, memoria, linguagem e inteligência. 

As concepções antropológicas podem ser recolhidas da filosófica de Sócrates, Platão e Aristóteles. Vaz (1998) nos indica que sendo Sócrates o fundador da filosofia moral pode ser considerado também o fundador da Antropologia Filosófica, onde a noção de “alma” seria a marca que identifica a ideia socrática de homem.  O autor destaca ainda outras três características da concepção de homem socrática: o argumento do bem como via de acesso para a compreensão do mundo e do homem, a valorização ética do indivíduo no preceito “conhece te a ti mesmo” e a primazia da racionalidade. 

A antropologia filosófica em Platão retrata uma concepção de homem dualista e dicotômica, onde a principal dialética está entre o corpo e a alma. A concepção aristotélica do homem está em um mundo material animado pelo conhecimento, no qual o homem tem lugar de destaque na estrutura hierárquica do ser e da realidade. (VAZ, 1998)

RESUMO DA UNIDADE

Nesta Unidade de Ensino conhecemos o pensamento filosófico desde os pré-socráticos, passando por Sócrates, Platão e Aristóteles; compreendemos as visões predominantes da antropologia de cada filosofo clássico, entendemos a diferença entre o ensino dos sofistas e de Sócrates e reconhecemos a importância da filosofia clássica para desenvolvimento da cultura ocidental, da ciência e da psicologia.

REFERÊNCIAS

CHAUI. Marilena. Convite à Filosofia. Editora Ática. São Paulo. 2000.

_____. Marilena. Introdução a historia filosofia. Dos pré-socráticos a Aristóteles. Volume 1. Cia das Letras. São Paulo. 2002.

JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3 edição. Jorge Zahar. Riao de Janeiro. 2001.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à Historia da Filosofia. Dos Pré-Socráticos à Wittgenstein. 13 edição. Zahar. Rio de Janeiro. 2008.

POLITO, Antony e FILHO, Olavo. A filosofia da Natureza dos Pré-socráticos. Caderno Brasileiro de Ensino da Física. Florianópolis. V.30. n. 2. 2013.  Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/
article/view/2175-7941.2013v30n2p323

VAZ, Henrique C. de Lima. Antropologia Filosófica I. 4 edição. Edições Loyola. São Paulo. 1998.

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