Ao final da unidade IV, esperamos que você seja capaz de:

Seja bem-vindo(a) a segunda etapa da disciplina de comunicação assertiva. Como foi na primeira etapa? Espero que tenha compreendido os conceitos para aprofundarmos nesse segundo momento. Neste vídeo eu vou trazer alguns tópicos para explicá-los e aprofundarmos em alguns conceitos.  

Comunicação Não Violenta

Conceito de CNV

Vamos começar agora uma das unidades mais importantes do nosso curso, a discussão sobre comunicação não violenta. Já ouviu falar sobre isso? Enquanto você pensa, quero que ouça uma música! Aliás, quero que cante uma música. Para quem não conhece, vou deixar a letra aqui embaixo. Ela se chama “Respire Fundo” da Gabi Luthai.

LEITURA COMPLEMENTAR

Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=aSDNuT9ore4

Ouça e cante!

Espalhe amor, seja amor
No caminho, uma flor tem valor mesmo se tiver espinhos
Traga paz, viva em paz, ta tudo bem
Seja capaz de provocar algum sorriso no rosto de alguém
E se a vida te convida pra dançar num ritmo descontrolado, injusto
Respire fundo
Deixe o seu coração de janela aberta
Deixa ser, desperta
Sinta o gosto do muito ou do pouco
Se entrega, pode ir sem pressa
Viver é mesmo assim, com o tempo tudo se acerta
Espalhe amor (espalhe amor), seja amor (seja amor)
No caminho, uma flor tem valor mesmo se tiver espinhos
Traga paz (traga paz), viva em paz (viva em paz), ta tudo bem
Seja capaz de provocar algum sorriso no rosto de alguém
E se a vida te convida pra dançar num ritmo descontrolado, injusto
Respire fundo
Deixe o seu coração de janela aberta
Deixa ser, desperta
Sinta o gosto do muito ou do pouco
Se entrega, pode ir sem pressa
Deixe o seu coração de janela aberta
Sinta o gosto do muito ou do pouco
Se entrega, pode ir sem pressa
Viver é mesmo assim, com o tempo tudo se acerta
Viver é mesmo assim, com o tempo tudo se acerta

Gabi Luthai / Gabriel Rocha / Sabrina Lopes / William Santos.

A escolha por abrir esta unidade com esta música não foi aleatória. Pelo contrário. Foi intencional. Muitos são os conceitos sobre comunicação não violenta. Muitos são os seus objetivos. Muitas são as suas formas de aplicabilidade. Mas, aqui, na nossa disciplina Comunicação Assertiva e, especificamente, a partir de agora, entenderemos comunicação não violenta (CNV) como comunicação compassiva, em que somos capazes de falar, ouvir, escrever, gesticular, enfim, nos conectarmos verdadeiramente uns com os outros, de forma que a nossa compaixão natural floresça, procurando construir, através da comunicação, pontes capazes de ressignificar as situações mais difíceis.

Um dos mais populares cartunistas e ilustradores do Brasil, Alexandre Beck, em 2009, criou a personagem Armandinho – um menino contestador, que problematiza questões muito importantes sobre a vida, principalmente as que perpassam pela igualdade, por uma sociedade mais justa, mais humana, pacífica e igual – e publicou, no perfil oficial da personagem no Facebook, no dia 14 de julho de 2017, uma tirinha que ilustra muito bem isso que acabamos de falar!  Vejam só:

Figura 9 – Tirinha Armandinho

Fonte: https://www.facebook.com/tirasarmandinho/photos/
a.488361671209144.113963.4883569012
09621/1625220414189925/?type=3&theater>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2022

A CNV é assim. Se nos entregarmos de coração, respeitando-nos e respeitando o outro de maneira genuína, atenciosa, empática, sem julgamento prévio, sem conceitos preestabelecidos, sem negligenciarmos o quanto é possível transformar conflitos que perpassam pela comunicação interpessoal em diálogos pacíficos podemos transformar realidades e cenários que, em um primeiro momento, pareciam imutáveis.

Quem começou a discutir esse assunto, desenvolver a teoria da CNV, estudá-la, aplicá-la e disseminá-la mundo afora foi um psicólogo, pesquisador e mediador de conflitos norte-americano, chamado Marshall B. Rosemberg. Ele nasceu em Ohio, nos EUA, em 1934. Era de uma família judia que, durante a Segunda Guerra Mundial, acabou deixando Ohio em direção a Detroit, cidade com mais oportunidades. No entanto, as oportunidades em Detroit vieram marcadas por grandes desafios. Como consequência da Segunda Guerra, Detroit era um celeiro de trabalho; várias fábricas, principalmente do setor automobilístico, instalaram-se na região, que recebeu refugiados de guerra do mundo inteiro. Com essa multiplicidade de pessoas, culturas e princípios cresceram também as tensões. Logo que a família de Rosemberg chegou à região, aconteceu o episódio chamado, à época, de Detroit Race Riot (1943), conhecido como o “Motim Racial de Detroit”, que deixou dezenas de mortos, centenas de feridos e milhares de presos. As tensões raciais em Detroit foram tão grandes que a família de Rosemberg, como também dezenas de outras judias, ficaram impedidas de sair de casa. O antissemitismo invadiu a cidade e, como relata o próprio autor no livro Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, uma das suas mais importantes obras, lançada pela primeira vez em 1999:

LEITURA COMPLEMENTAR

Você pode saber um pouco mais da vida e obra do Marshall B. Rosenberg no site de comunicação não violenta, da Fundação que ele criou,. Acesse o site:

https://www.cnvc.org/about/
marshall.


[1] Se você quiser conhecer um pouco mais sobre os conflitos raciais e antissemitas de Detroit, existe uma série de livros, documentários e biografias que contextualizam essas questões. Vou deixar aqui duas referências muito bacanas sobre o tema. A primeira trata-se de um projeto liderado pela Sociedade Histórica de Detroit, que reúne depoimentos e relatos sobre as inúmeras revoltas sociais que aconteceram na cidade, a partir do final dos anos 40 do século passado. O projeto é on-line e pode ser acessado no site: http://detroit1967.detroit
historical.org. Já a segunda é o filme Detroit (2017), dirigido pela cineasta norte-americana Kathryn Bigelow, baseado em fatos reais, que explora a revolta contra o racismo e o abuso de poder policial nos EUA. Você pode assistir ao filme pelos serviços de streaming, nas plataformas Youtube, Google Play Filmes e TV ou Apple TV.

Na segunda semana após nossa chegada, eclodiu um conflito racial, que começou com um incidente num parque público. Nos dias seguintes, mais de quarenta pessoas foram mortas. Nosso bairro ficava no centro da violência, e passamos três dias trancados em casa. Quando terminaram os tumultos raciais e começaram as aulas, descobri que o nome pode ser tão perigoso quanto cor de pele. Quando o professor disse meu nome durante a chamada, dois meninos me encaram e perguntaram, com veneno: “Você é kike?” Eu nunca tinha ouvido aquela palavra e não sabia que algumas pessoas a utilizavam de maneira depreciativa para se referir aos judeus. Depois da aula, os dois já estavam me esperando: eles me jogaram no chão, me chutaram e me bateram (ROSEMBERG, 2006, p.19-20).

Desse episódio, em 1943, até a sua morte, em 2015, Rosemberg foi incansável ao tentar entender os motivos pelos quais algumas pessoas se desconectam da sua natureza compassiva, levando-as à violência, e outras não. E, a partir daí, tentou compreender, também, como a linguagem estava ligada a esses conflitos e como a comunicação poderia ser trabalhada para potencializar a resolução desses problemas.

Mediar conflitos tornou-se, então, sua principal atividade e isso permitiu que ele desenvolvesse a teoria da CNV a qual, para ele “se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em situações adversas” (ROSEMBERG, 2006, p.21).

Trata-se de uma forma de se relacionar (pensar e agir), que nos permite utilizar a comunicação de maneira consciente e não como processo de ação e reação, com respostas automáticas, repetitivas e reativas

CNV nos ensina a observarmos cuidadosamente (e sermos capazes de identificar) os comportamentos e condições que estão nos afetando. Aprendemos a identificar e a articular claramente o que de fato desejamos em determinada situação. (…) À medida que a CNV substitui nossos velhos padrões de defesa, recuo ou ataque diante de julgamentos e críticas, vamos percebendo a nós e aos outros, assim como nossas intenções e relacionamentos, por um novo enfoque. A resistência, a postura defensiva e as reações violentas são minimizadas (ROSEMBERG, 2006, p. 22).

Isso significa estarmos atentos e nos concentrarmos no que falamos e no que ouvimos, sendo capazes de entender a necessidade de todos os envolvidos no processo. Ao agirmos assim, quebrarmos padrões consolidados e minimizamos reações violentas, muito comuns durante impasses na comunicação e nas relações que preestabelecemos em um mundo tão diverso, seja por divergência de opiniões acerca de um dado assunto, seja pela cultura, valores éticos e morais, raça, crença, gênero e tantas outras questões.

Vale ressaltar que, quando falamos de violência, estamos nos referindo tanto à violência física – ou seja, atos violentos que fazem uso da força física de forma intencional, não acidental, com propósito de ferir, provocar sofrimento, dor e deixar marcas em outra pessoa – quanto à violência passiva, psicológica ou moral, em quem o sofrimento perpassa pela natureza emocional, como rejeição, depreciação, punições humilhantes, estratégias de comunicação não verbal, dentre outros.

No prefácio do livro de Rosemberg, escrito pelo Arun Gandhi, fundador e presidente do MK. Gandhi Institute for Noviolence, uma organização não governamental com sede nos EUA, que combate a violência nas suas mais diferentes nuances, ele rememora suas primeiras lembranças sobre a violência:

Crescer como pessoa de cor na África do Sul do Apartheid, na década de 1940, não era nada agradável. Principalmente se você era lembrando pela cor da sua pele a cada momento do Dia. Depois, ser espancado aos 10 anos por jovens brancos que o consideravam negro demais e em seguida por jovens negros que o consideravam branco demais era uma experiência humilhante que poderia levar qualquer um à vingança violenta (ROSEMBERG, 2006, p.13).

Arun Gandhi conseguiu se desvencilhar de tais estímulos, sendo impulsionado por outros paradigmas, e deixou vir à tona, essencialmente, o que existe de positivo na essência humana, de maneira consciente, praticando a não violência no seu dia a dia. No entanto, entendemos que essa tarefa não é simples e sabemos que não existe fórmula mágica para enfrentarmos, com equilíbrio e compaixão, muitas vezes, situações tão adversas. Contudo, é possível aprender como, através da linguagem e da comunicação, podemos potencializar esse tipo de comportamento. Sem pretensão nenhuma de escrever receita de bolo e muito menos formas inquestionáveis, vamos apresentar agora, a partir da teoria desenvolvida por Rosemberg, um modelo para a CNV.

LEITURA COMPLEMENTAR

Para conhecer mais sobre o trabalho do Instituto, acesse o link: <https://gandhiinstitute.org>

Espero que estejam dispostos a imergir nesse campo fantástico, estabelecendo conexões sinceras, pacíficas e eficazes no seu dia a dia. Viver a comunicação não violenta é criar relações amorosas com os outros sem, obrigatoriamente, renunciar aos nossos valores, princípios e integridade; é viver com o propósito de gerenciar a raiva e os conflitos, expressando as nossas necessidades, enxergando as necessidades do outro, entendendo se essas necessidades foram compreendidas e nos colocando à disposição, de maneira empática, para traduzir aquilo tudo para uma linguagem positiva e assertiva.

 O modelo de CNV – dimensões, aplicações e processo

– Como você se comporta durante uma discussão, seja ela presencial ou virtual?

– Como você reage quando é agredido verbalmente?

– Como você vem se conectando com as pessoas?

Veja isso:

Manchete da matéria publicada no Jornal Correio Brasilense, no dia 27 de outubro de 2021.

Manchete da matéria publicada pela Revista Carta Capital, no dia 8 de agosto de 2021.

LEITURA COMPLEMENTAR

Matéria disponível em:  https://www.cartacapital.com.br
/diversidade/os-alertas-deixados-pelo-suicidio-de-lucas-um-adolescente-vitima-do-odio-e-da-lgbtfobia-no-tiktok/. Acesso em: dia 1 de março de 2022.

LEITURA COMPLEMENTAR

Matéria disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/cidadesdf/2021/10/4958655-briga-de-transitoteria-ocasionado-morte-de-entregador-na-br040.html>. Acesso em:1 de março de
2022.

O final trágico que essas duas histórias têm em comum está atrelado à forma como respondemos aos questionamentos que foram feitos no início desse tópico. Trata-se do nosso modo de ser, pensar e viver, bem como da nossa capacidade de fazer concessões. Em Vivendo a comunicação não violenta (2019), Rosemberg afirma que

 

A CNV é o idioma da compaixão (…), ela é uma linguagem da vida na qual a compaixão surge naturalmente. Este modelo nos ensina a expressar o que está vivo em nós e a enxergar o que está vivo nos outros. Quando compreendemos o que está vivo em nós, podemos descobrir o que fazer para enriquecer essa vida (ROSEMBERG, 2019, p.7).

Então, a partir dessa dimensão sistêmica da CNV, capaz de promover as mais genuínas conexões, podemos pensar no processo, a partir de quatro componentes: a observação, o sentimento, a necessidade e o pedido. Se conseguimos estruturar a maneira como nos comunicamos a partir desses quatro elementos, a probabilidade de entendermos o quão importante é equiparar a nossa necessidade à necessidade do outro, durante o fluxo comunicacional, fica latente.  Com isso, conseguimos construir mensagens capazes de projetar conexões sinceras entre as pessoas, em que a compaixão surge de forma natural.

Vamos entender melhor esses quatro elementos.

Para começar, falemos da observação. Nesse momento da interação, o que o que importa é conseguir assimilar o que está, de fato, acontecendo, sem fazer julgamentos prévios, sem avaliar, sem imprimir opiniões repletas de paradigmas e conceitos preestabelecidos. O que precisamos fazer, durante a observação, nada mais é do que entender o que está acontecendo no momento e identificar o que nos agrada ou não agrada naquilo que está sendo dito e/ou feito. Tudo isso de maneira clara, direta e com muita sinceridade e, principalmente, sem julgamentos prévios, emissão de opiniões parciais e interação.

A partir daí, chegou a hora de assimilar como nós estamos nos sentindo diante da situação, identificando tudo aquilo que está provocando as sensações mais sinestésicas dentro da gente, com sabedoria e precisão. O autoconhecimento, nessa fase, é fundamental, porque nem sempre conseguimos saber, com clareza, o que nos abala, aquilo que nos coloca na linha extremamente tênue entre o equilíbrio e o desiquilíbrio, entre a calmaria e a euforia, entre a violência e a paz. Se essa etapa do processo não estiver bem definida, provavelmente, não se conseguirá utilizar a CNV.

Feito isso, chega o momento em que conseguimos realmente entender, com clareza, o que sentimos, é a hora de elencar nossas necessidades, ou seja, aquilo que esperamos com a situação, aquilo que vislumbramos, aquilo que é necessário fazer para mediar o conflito, ter sucesso no processo, alcançar os resultados almejados. Essa fase está intrinsecamente relacionada aos nossos sentimentos. É impossível saber o que se quer sem sentir.

Vencendo essa etapa, chegou a hora de pedir. Pedir com assertividade e clareza. Pedir bem especificamente, para que não haja nenhum ruído capaz de impactar negativamente todo o processo.

Descrevendo assim, pode parecer simples, mas a CNV só consegue se tornar parte de quem somos e parte da nossa conduta diária, se praticarmos incansavelmente. CNV é treino. Vamos exemplificar uma situação de maneira muito simples, para que vocês possam, desde já, conseguir empregar todos esses elementos nas mais diversas situações do dia a dia. Suponhamos que vocês resolvam conversar comigo sobre problemas que estão acontecendo durante a assimilação de conteúdo desta disciplina. Ao se dirigirem a mim, poderiam dizer o seguinte: “Professora, quando estudamos o seu conteúdo, com tanta teoria, situações problemas e referências apresentadas em uma linguagem muito rebuscada, ficamos nervosos, irritados e desencorajados, porque não conseguimos compreender a mensagem e muito menos construir conhecimento. Você poderia escrever de maneira mais simples e direta?”.

Entenderam como funciona? Vocês observaram o cenário, entenderam a situação, demonstraram como se sentiram, apresentaram a necessidade e, por fim, pediram. Quando Rosemberg introduz o assunto, ele também cita o exemplo de uma mãe que, ao se dirigir a um filho adolescente, em uma determinada situação, disse o seguinte:

“Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três perto da TV fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum” (ROSEMBERG, 2006, p. 25). Nessa frase, ela observou, sentiu e explicou a necessidade. Em seguida, fez um pedido específico: “Você poderia colocar suas meias no seu quarto ou na lavadora?” (ROSEMBERG, 2006, p. 25).

Se podemos dizer que existe uma maneira de ensinarmos e praticarmos a CNV seria essa. Estarmos atentos, o tempo todo, durante os mais diferentes níveis e fluxos de comunicação, com esses quatro elementos. Devemos nos atentar se essas quatro informações estão sendo transmitidas, verbalmente ou através da comunicação não verbal. Isso é importantíssimo, porque a nossa conexão com outras pessoas acontece “primeiramente percebendo o que estão observando e sentindo e do que estão precisando; e depois descobrindo o que poderia enriquecer suas vidas ao receberem a quarta informação, o pedido” (ROSEMBERG, 2006, p. 26).

A partir daí, se adaptarmos a nossa forma de expressar, pensando sempre nos pormenores da ocasião, adequando a linguagem e o processo a esses quatro elementos, agiremos com mais consciência, menos impetuosidade, mais análise e, consequentemente, obteremos resultados muito mais promissores, em todos os sentidos.

Vale lembrar, mais uma vez, que o nosso interlocutor não precisa, necessariamente, conhecer as técnicas da CNV. Ele responderá, intuitivamente, a nossa forma de expressão e conduta, trata-se de ação e reação, intuitiva.  A CNV pode ser aplicada nas mais diversas situações, tanto no âmbito pessoal como no profissional. Isso significa que, onde há relações humanas, é possível existir CNV.

INDICAÇÃO DE VÍDEO

A professora Luciana Caran traduziu e legendou, no Youtube, uma entrevista com Marshall Rosemberg sobre os Princípios da CNV. A entrevista tem duas partes e vocês podem assisti-la agora:

Parte 1: https://www.youtube.com/
watch?v=AbQTnHirOnw

Parte 2: https://www.youtube.com/w
atch?v=wuvh9D9fAbg

Resumindo, atente-se ao quadro que Rosemberg preparou para que pudéssemos consultar sempre que precisássemos aplicar a CNV.

Quadro 1 – As quatro partes do processo de Comunicação Não Violenta

Expressar com clareza como estou, sem censuras ou críticas Receber com empatia a mensagem sobre como você está sem interpretar como censura ou crítica
1. OBSERVAÇÃO
O que observo (vejo, ouço, lembro, imagino, livre de avaliações) que contribuiu ou não para meu bem-estar: “Quando vejo / ouço...”
O que você observa (vê, ouve, lembra, imagina, livre de avaliações) que contribui ou não para seu bem-estar: “Quando você vê / ouve...” (Às vezes sem palavras, quando estamos oferecendo empatia).
2. SENTIMENTOS
Como me sinto (emoção ou sensação, e não pensamento) em relação ao que observo: “Sinto...”
Como você se sente (emoção ou sensação, e não pensamento) em relação ao que você observa: “Você sente...”
3. NECESSIDADES
O que preciso ou valorizo (e não uma preferência ou ação específica) e que é a causa dos meus sentimentos: “porque necessito / valorizo...”
O que você precisa ou valoriza (e não uma preferência ou ação específica) e que é a causa dos seus sentimentos “porque você necessita/ valoriza...”
Pedir com clareza aquilo que enriquece a minha vida, sem exigências.
Receber com empatia a mensagem sobre o que enriqueceria sua vida, sem interpretar como uma exigência.
4. PEDIDOS
As ações concretas que eu gostaria que fossem tomadas: “Você estaria disposto a...?”
As ações concretas que você gostaria que fossem tomadas: “Você gostaria”...? (Às vezes sem palavras, quando estamos oferecendo empatia.)

Fonte: Rosemberg ( 2019, p.11).

A partir de agora, conhecendo todos esses elementos, podemos identificar alguns gatilhos que acabam nos impedindo de praticar a CNV. Rosemberg chama tais gatilhos de comportamentos alienantes da vida, ou seja, as formas de comunicação que nos alienam e nos tiram daquele estado compassivo natural. Dentre eles, cita os seguintes:

  1. Julgamentos moralizadores: são aqueles os quais nos fazem subentender que há uma natureza errada ou má nas pessoas que porventura não se comportam da maneira como gostaríamos. Eles se manifestam em forma de “culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica, comparação e diagnóstico” (ROSEMBERG, 2006, p. 37).
  2. Comparações: entendidas, nesse caso, como formas de julgamentos, ou seja, o sujeito acaba comparando a vida de uma pessoa ou a sua própria vida com a de alguém, bloqueando o sentimento de compaixão, tanto por si próprio como pelos outros.
  3. Negação da responsabilidade: diz respeito à capacidade humana de negligenciar a autorresponsabilidade em relação aos próprios sentimentos, pensamentos e atos. Isso acontece, como enfatiza Rosemberg, quando negamos nossa responsabilidade, atribuindo-a a: forças ocultas, vagas e impessoais; ações provocadas por terceiros; pressão de grupos, regras, normas ou políticas; arquétipos de gênero, idade ou posição social; impulsos etc.
  4. Transformar desejos em exigências inegociáveis também é uma forma de linguagem que bloqueia a compaixão.
  5. Recompensa x Punição: julgar quem merece ser agraciado ou punido por um determinado ato, encorajando ou não um desfecho para determinada situação.
Compreendendo isso tudo, fica mais fácil agirmos de maneira compassiva, independente da situação em que nos encontremos, a fim de nos tornarmos não apenas indivíduos capazes de praticar a CNV, mas também de disseminá-la, transformando padrões de pensamento, resolvendo conflitos e criando relacionamentos interpessoais baseados no respeito, na compaixão, na cooperação, no equilíbrio e em prol da vida.

A TEORIA U E OS ARQUÉTIPOS DA ESCUTA

Mente aberta significa não julgar, permitindo que a mente do universo opere através do seu pensamento. Coração aberto significa não ser cínico, permitindo que o coração do coletivo opere através dos seus sentimentos. Vontade aberta significa não ter medo, permitindo que a Intenção do futuro emergente opere por meio de suas ações (SCHARMER, 2020).

Observar, sentir, demonstrar a necessidade e pedir. Acabamos de entender que essa é a estrutura básica da CNV e, não sei se vocês perceberam, mas não conseguimos fazer isso tudo se não exercitarmos, profundamente, a escuta ativa. A escuta, por sinal, é uma das etapas mais importantes em um processo de comunicação assertiva, sendo um dos mais antigos também. Por isso, dentro da nossa Unidade de comunicação não violenta resolvemos voltar mais uma vez na importância da escuta ativa, da escuta afetiva e efetiva – factual, empática e gerativa, que constituem arquétipos da Teoria U.  A escolha por trazer essa teoria para a disciplina aconteceu, fundamentalmente, porque um dos princípios e objetivos da CNV é a resolução de problemas complexos e a Teoria U, desenvolvida pelo professor e especialista em inovação Otto Scharmer, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 2006, prevê a utilização da escuta como instrumento para novas ideias e comportamentos, bem como para a análise, compreensão e possíveis alterações de realidades.

A Teoria U aponta ser possível deixar os padrões e paradigmas do passado e focarmos na transformação, desde que tenhamos a mente, o coração e a vontade abertas. Para Scharmer (2020), mente aberta é a capacidade de deixar os velhos hábitos de julgamento e questionamento para trás, passando a enxergar com novos olhos e acessando as fontes de inteligência intelectual. Coração aberto é a capacidade de ter empatia e olhar para uma dada situação como se tivéssemos a percepção e/ou interesses de outra pessoa, acessando as fontes de inteligência emocional, e vontade aberta é a capacidade que todo ser humano pode desenvolver, deixando o antigo e o preestabelecido de lado, abrindo portas para o novo, para outras experiências, para o improvável, o inimaginável, o ainda não vivenciado, deixando vir à tona as fontes de inteligência espiritual.

Assim começamos as explicações sobre a teoria desenvolvida por Scharmer e, apesar de não entrarmos a fundo no seu conceito, é importante entendê-la rapidamente, para que cheguemos ao ponto que nos interessa: a escuta. Para simplificar a questão, vamos adotar como modelo mental o formato da letra U, em que começamos com um ponto alto, uma descida, uma curva e uma nova subida.

O ponto alto da letra U indica o início do processo, o momento em que observamos e RECONFIRMAMOS. É a fase em que, ao nos depararmos com um dado assunto ou situação, todos os paradigmas que possuímos emergem, levando-nos a condutas similares às que tivemos em outra ocasião similar. É a fase na qual nossos hábitos, crenças e julgamos afloram.

A partir daí, iniciamos a descida e temos a oportunidade de começar a enxergar a situação de outra forma. Basta, para isso, estamos com a mente, o coração e a vontade abertos. O autor chama essa etapa de RECUPERAR o olhar, ou seja, abrir-se para o novo, destemidamente. A descida e a imersão para novas possibilidades de reconhecimento e imersão no processo se afloram, justamente, aqui.

A partir disso, basta continuar o nosso percurso e, assim como na CNV, é chegado o momento em que se torna fundamental SENTIR. O sentir possibilita a ampliação da nossa percepção. Manifesta-se, com toda intensidade, o nosso autoconhecimento, que nos conecta com as emoções trazidas pela situação e faz com que todos nós estejamos abertos e vulneráveis para que possamos imergir verdadeiramente com a situação.

Pois bem…

Chegamos ao fundo da letra U. Lugar em que a observação, a escuta, o mindfulness se afloram. O fundo do U é o lugar da quietude. É o PRESENCING, como aponta Scharmer, o estado de presença total, somado ao sentir, atrelado à vontade de mudança e à curiosidade. É o local em que deixamos todos os paradigmas que não deram certo para trás, aproximamo-nos do novo, ou seja, trata-se do ponto de virada, em que a probabilidade de encontrarmos respostas ou soluções para nossos problemas fica bem latente. Sentindo isso, é hora de CRISTALIZAR, deixar vir o novo, para desenharmos e projetarmos o futuro diferente, o futuro necessário, aquele que, muitas vezes, é completamente dessemelhante à nossa vontade e/ou expectativa, mas que está diretamente relacionado à solução. Cristalizando, é só PROTOTIPAR, dar forma e, por fim, REALIZAR. Fazer acontecer. Scharmer (2010, p. 30), ilustra o U completo da seguinte maneira:

Figura 10 – O U completo

Fonte: Scharmer (2010)

O que acabamos de ler nos coloca em contato com a teoria de Rosemberg sobre a CNV e, consequentemente, com a escuta, uma das principais premissas para a prática da comunicação assertiva. Escutar o outro é fundamental em qualquer processo de mudança e, por conseguinte, o professor Scharmer estudou os níveis de escuta para desenvolver a teoria.

NÍVEIS DE ESCUTA

A Teoria U, então, propõe um olhar a partir do qual devemos nos abdicar dos padrões do passado para criar e inovar no presente, resolvendo problemas. Um desses padrões mais antigos e eficientes é a forma como escutamos.

Vamos, então, entender os níveis de escuta apresentados pela Teoria U.

Primeiro nível de escuta: downloading

“- Você está me ouvindo?”

“- Olá! Tem alguém aí?”

“- Eu já disse três vezes e você não entendeu nada?”

Quantas vezes você já falou ou ouviu frases como essas, estando frente a frente com outra pessoa? Essa questão é tão comum e tão latente que Lucy Van Pelt, uma das personagens mais emblemáticas criadas pelo cartunista Charles M. Shulz para a série Peanuts (1950), cujo enredo perpassa pelas aventuras do Charlie Brown e seu cachorro Snoopy, questionou:

Figura 11 – Tirinha

Fonte: . Acesso em: 13 de março de 2022

Mas o que significa não escutar, mesmo estando frente a frente com o interlocutor? Já vimos que isso perpassa pelo grau de interesse, foco e atenção que estamos desprendendo em torno de uma dada situação. Na Teoria U, Scharmer fala sobre os níveis de escuta, sendo que o primeiro deles, o downloading, é exatamente aquele no qual fingimos estar atentos durante uma conversa, concordamos com tudo, sem sequer sabermos o teor do assunto. É como se tivéssemos ativado o piloto automático. Nessa fase da escuta, ainda estamos conectados com os nossos próprios paradigmas e com o passado. Isso é muito comum em diálogos quando um dado assunto não nos interessa e, consequentemente, não prestamos atenção, não demonstramos interesse, não absorvemos a informação. Acabamos de chamar esse nível de automático porque, nele,  agimos de forma intuitiva. Não há presença.

Vamos a um exemplo que, provavelmente, você deve praticar, se não diariamente, com muita, muita frequência. Imagine que você acabou de encontrar com alguém no corredor de um prédio, onde você trabalha. De maneira imediata e rápida, a pessoa diz: “-Olá! Tudo bem?”. Você, automaticamente, responde: “-Tudo bem!”. 

Ouso a afirmar que, em 99% das situações em que isso acontece, o diálogo termina por aí. Não há interesse. Não há profundidade. Mente, coração e vontade, nesse momento, encontram-se totalmente fechados.

O segundo nível de escuta é chamado escuta factual, sendo desenvolvido quando conseguimos manter a mente aberta. Para exercê-lo, devemos nos abdicar de julgamentos e nos atentarmos aos fatos no presente, identificando as diferenças, concordando ou discordando dos fatos apresentados. É um nível caracterizado pelo debate. Um ponto de atenção é que, apesar do interesse, nesse nível de escuta a compreensão do outro ainda é bastante reduzida, a intenção é escutarmos para nos defendermos e/ou apresentarmos o nosso ponto de vista. As soluções ainda são insipientes, assim como a possibilidade de cocriação e transformação de realidades. Todavia, ao mesmo tempo, a interação e a demonstração de interesse nesse processo é real, com a mente aberta, mas com o coração e a vontade ainda fechados.

Já o terceiro nível é conhecido como escuta empática e pressupõe a abertura do coração. Não precisamos concordar ou discordar, julgar, questionar, imprimir juízos de valor, mas sim nos colocar no lugar do outro, sem defender veementemente o nosso próprio argumento. Buscamos o entendimento sobre a necessidade da outra pessoa, através de um processo de interação mútuo e verdadeiro. A nossa consciência, nessa fase da escuta, está operando literalmente em prol do outro, de maneira emocional e, por isso, conseguimos, muitas vezes, compreender as necessidades que, até então, passavam completamente despercebidas.

O quarto e último nível é a escuta generativa, etapa na qual abrimos a vontade. Trata-se da escuta mais profunda, ou seja, não apenas prestamos atenção ao que o outro diz, mas também nos conectamos com o objetivo de transformar, cocriar, resolver junto. Mente, coração e vontade encontram-se totalmente conectados, por isso, esse se torna um ambiente extremamente fértil para insights e fluidez.

Exercitando esses tipos de escuta, certamente, conseguiremos desenvolver, de maneira muito mais latente, a nossa comunicação assertiva, porque elas, também, são a base da CNV.

EMPATIA ASSERTIVA

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

A empatia está intrinsecamente associada à CNV.  Não há como praticar a comunicação não violenta se não formos sensíveis ao outro, porque “é só o amor/ é só o amor/ que conhece o que é verdade” (RUSSO, 1989). Na tentativa de simplificar a questão da empatia, já que ser empático ou empática pode imprimir tantas nuances, vamos adotar, neste tópico da Unidade, uma única referência bibliográfica. Trata-se do livro Empatia assertiva (2017), da executiva de carreiras para líderes, Kim Scott, que trabalhou em empresas muito disruptivas, como a Google e a Apple, e hoje é CEO da Candor Inc., sua própria empresa de formação de lideranças.

Esse livro, Scott afirma que é possível desenvolver relacionamentos assertivamente empáticos e, para isso, ela identificou duas dimensões as quais, quando combinadas, faz com que isso seja possível. A primeira dimensão é chamada importar-se pessoalmente e perpassa pela forma como você se importa, compartilha e encoraja os outros. Importar-se pessoalmente, de maneira mais específica, diz respeito a importar-se com a pessoa como um todo, é conseguir compartilhar sentimentos, ter conversas autênticas, mostrar vulnerabilidade, criar ambientes seguros e entender o que motiva ou não, verdadeiramente.

Já a segunda dimensão é denominada confrontar diretamente e envolve a destreza em se dar feedback. Scott rememora o filósofo Joshua Cohen, que realizou vários treinamentos para executivos do Twitter e da Aplle, além de lecionar na Stanford University e no MIT. Ele afirma que o confronto direto é fundamental para conseguirmos ser empáticos e, para corroborar com seu pensamento, usa a seguinte afirmação de John Stuart Mill:

A origem de tudo o que é respeitável no ser humano, tanto no âmbito intelectual como no moral, é que seus erros são corrigíveis. O ser humano é capaz de corrigir seus erros pelo diálogo e pela e experiência. Não pela experiência isoladamente. É preciso haver diálogo, para mostrar como a experiência deve ser interpretada (SCOTT, 2017).

Dito isso, Scoot afirma que

a empatia assertiva é o que acontece quando você combina as “dimensões importar-se pessoalmente” e “confrontar diretamente”. A empatia assertiva desenvolve a confiança e abre as portas para o tipo de comunicação que o ajudará a atingir os resultados pretendidos. (…) Quando as pessoas confiam e acreditam que você se importa com elas, tornam-se muito mais propensas a: a) aceitar seus elogios e críticas e fazer algo a respeito; b) dar a você um feedback franco, positivo ou negativo, sobre seu desempenho; c) adotar essa mesma postura umas com as outras, cortando o problema pela raiz, assim que ele surgir; d) aceitar sua função; e) focar em resultados (SCOTT, 2017).

Diante disso, Scoot ainda afirma que a maior surpresa da empatia assertiva é que os resultados, na maioria das vezes, não serão contrários ao que almejamos, pois, mesmo que as pessoas iniciem a interação “com raiva, ressentimento ou irritação, essas emoções se revelarão passageiras, quando elas perceberem que você realmente importa” (SCOTT, 2017).

Importar-se!

Certamente, esse foi o conceito mais importante que vimos nesta Unidade.

Em meio a tantas incertezas, a CNV, certamente, é o processo mais eficaz para que consigamos estabelecer a comunicação assertiva, mas isso só acontecerá se nos importarmos legitimamente com as pessoas que fazem parte, direta e indiretamente, da nossa vida.

Mesmo que seja difícil.

Mesmo que seja improvável.

Importar-se é fundamental.

É transformador.

INDICAÇÃO DE VÍDEO

Assista ao curta-metragem da Pixar Animation, “Kitbull” (2019), que nos mostra uma conexão improvável entre dois animais: um gatinho e um pitbull e, depois disso, vá até o nosso fórum e conte pra gente as conexões improváveis que você já estabeleceu.

REFERÊNCIAS

  • ROSEMBERG, Marshall. Comunicação não-violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006. ROSEMBERG, Marshall. Vivendo a comunicação não violenta. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.
  • SCHARMER, C.O (2020). O essencial da Teoria U: princípios e aplicações fundamentais. Editora Voo: Edição 1. Edson Furmankiewicz (Tradutor). Curitiba/PR.
  • SCOTT, Kim. Empatia assertiva: como ser um líder incisivo sem perder a humanidade. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: HSM, 2017.
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