Ao final da unidade VI, esperamos que você seja capaz de:

Espero que você tenha percebido a relevância deste assunto , tanto profissionalmente como para sua vida pessoal. Nesta última unidade vou falar de maneira mais profunda sobre a comunicação em saúde. Acompanhe a seguir:

Comunicação em Saúde

COMUNICAÇÃO EM SAÚDE: CONCEITOS BÁSICOS

Vamos começar esta unidade traduzindo, de maneira bem simples, o que significa comunicação em saúde. De acordo com um dos mais importantes pesquisadores da área, o cientista português José A. Carvalho Teixeira, que atua no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa, comunicação em saúde “diz respeito ao estudo e utilização de estratégias de comunicação para informar e para influenciar as decisões dos indivíduos e das comunidades no sentido de promoverem a sua saúde” (TEIXEIRA, 2004, p. 615).

Esse significado, apesar de bem amplo, pode nos ajudar a começar a discutir o tema. Para isso, será preciso entender, desde já, que ela acontece em contextos muito diferentes. A primeira conjuntura que vamos estudar é a que se refere à disseminação de informações de maneira pública, seja por meio da mídia, das campanhas publicitárias, no âmbito da educação, nas relações entre os profissionais da área com a sociedade de maneira geral e nas intervenções e afirmações públicas. Em um segundo momento, vamos nos ater à comunicação entre os profissionais de saúde e seus pacientes, bem como nas relações preestabelecidas durante os atendimentos clínicos.

Então, vamos lá!

Agora que já explicamos, de maneira bem genérica, o significado do termo “Comunicação em saúde”, é preciso lembrar que esse é o tema da última unidade da nossa disciplina de Comunicação Assertiva e, com certeza, estamos querendo dizer que o conteúdo trabalhado a partir de agora é extremamente importante, pois ele irá subsidiar – direta e indiretamente – as atividades dos profissionais do campo, nas mais diversas situações.

Então, atente-se!

Pensando em comunicação e saúde no primeiro contexto que apresentamos, é preciso se atentar para o fato de que o estudo da convergência entre duas áreas tão distintas no Brasil – cenário em que vamos concentrar a nossa análise – é bem recente. E, apesar de sabermos que, nos anos 60 do século passado, o tema se tornou bem evidente, pois o paradigma da difusão de informações científicas e inovações entrou em vigor, nós não temos uma data exata de quando ele começou a ganhar os holofotes.

O que sabemos, na verdade, é que diversos acontecimentos impulsionaram as discussões sobre o assunto. No livro Comunicação e Saúde, organizado por Fernando Oliveira Paulino (2009), ao longo dos 17 artigos, vamos conseguindo identificar alguns desses acontecimentos. De maneira inicial, no artigo História da interface da comunicação e saúde, de Arquimedes Pessoni, o autor aponta dois fatos como propulsores dessa temática: o primeiro seria a Reforma Carlos Chagas (1920) que, pela primeira vez na história do país, propunha associar técnica de propaganda à educação sanitária; e o segundo é apontado como a Reforma Paula Souza (1925), que aconteceu em São Paulo, e afirmava ser a educação sanitária um instrumento de ação privilegiado e muito importante para a transformação e a conscientização social. Situações como essas convencionavam, cada vez mais, o comportamento individual ao desenvolvimento de doenças e, consequentemente, a necessidade e disseminar informações confiáveis, em grande escala, para poder contê-las.

Com a chegada do Governo Provisório no Brasil (1930-1934), houve uma valorização no dueto educação e comunicação como ferramenta de apoio na área da saúde para a mudança de alguns conceitos que poderiam detonar o processo de melhoria da qualidade de vida do brasileiro. Isso é ressaltado por CARDOSO (2002, p.22) quando lembra que: a partir do Governo Provisório (1930- 34), também a educação, a comunicação e a saúde se revelaram estratégicas, principalmente no Estado Novo (1937-45): não só do ponto de vista econômico, mas na tessitura ideológica que buscava instaurar um novo regime (por oposição ao anterior, “velho e oligárquico”), uma nova nação e um novo homem brasileiro (sadio e educado) (PESSONI, 2009. p. 35).

De lá para cá, muita coisa aconteceu e o tema começou a ser propagado de forma cada vez mais evidente, seja pelos grandes veículos de comunicação, seja pelos eventos científicos, currículos dos cursos na área da saúde ou especialistas de maneira geral. Com o advento das Tecnologias de Informação e Comunicação, então, a necessidade de transmitir informações seguras, confiáveis e verdadeiras sobre a área se tornou ainda mais necessária, uma vez que campanhas massivas podem ser assimiladas pela população, fazendo com que a mensagem difundida seja introjetada e modifique comportamentos, ideias, atitudes e práticas sociais.

Com as fake news e a banalização de assuntos extremamente sérios e delicados, a necessidade de se produzir e disseminar conteúdos confiáveis na área da saúde se mostrou imprescindível, pois a disseminação de informações não verdadeiras podem gerar impactos irreparáveis na sociedade, de maneira geral.

Poderíamos citar vários exemplos muito conhecidos de comunicação massiva na área da saúde mundial, mas, indiscutivelmente, são as campanhas contra o câncer de mama – um dos tipos de câncer que mais acometem mulheres, levando ao óbito no mundo – que iniciaram, entre os anos de 1980 e 1990, as responsáveis pelos grandes cases de comunicação e saúde com grande impacto mundial. Por meio delas, inclusive, o mês de outubro passou a ser dedicado à conscientização sobre a doença, informando a respeito da importância do diagnóstico precoce e tratamento adequado.

Quem se lembra, por exemplo, da campanha “O câncer de mama no alvo da moda”, criada pelo estilista norte-americano Ralph Lauren, que ganhou o mundo inteiro? Lançada oficialmente em 1994, em Nova Iorque, a campanha ultrapassou fronteiras e se tornou uma importante ferramenta para o combate da doença. Em 2015, quando ela completou 20 anos no Brasil, foi criado um filme, na verdade, um experimento social, que já conta com quase três milhões de visualizações, só no site oficial da campanha. Na ocasião, o Instituto Brasileiro do Controle ao Câncer (IBCC) convidou artistas nacionais para contarem suas experiências com o câncer de maneira geral e posar para um ensaio fotográfico. O resultado é impactante, comovente, sensível e, principalmente, mostra-nos como a comunicação e a saúde podem andar lado a lado na construção de uma sociedade mais bem formada, crítica, consciente e disposta a mudar.

INDICAÇÃO DE VÍDEO

Assista ao vídeo e confira.

https://www.youtube.com/
watch?v=8gr7wo717uk

Esta campanha é de tirar o fôlego, né?

VOCÊ SABIA?

Você sabia que o Fundador da FAMINAS, o empresário e político mineiro Lael Varella, fundou, em Muriaé, a Fundação Cristiano Varella, mantenedora do Hospital do Câncer de Muriaé?

Há 27 anos, a missão da Fundação Cristiano Varella é combater o câncer, valorizando a vida.
Hoje, o hospital é o maior e mais bem equipado complexo oncológico do Estado de Minas Gerais. Cerca de 90% de todo o seu atendimento acontece pelo Sistema Único de Saúde, que abrange mais de 260 municípios mineiros, representando cerca de 5 milhões de habitantes.
Para saber mais sobre o trabalho importantíssimo que a Fundação Cristiano Varella desenvolve, acesse o site www.fcv.org.br e siga a instituição nas redes sociais.

A propaganda, de maneira geral, tem sido um importante instrumento no combate e conscientização de várias doenças, embora já se tenha demonstrado em inúmeros estudos que, sozinha, não consegue proporcionar os impactos necessários para a transformação social. Por isso, ela anda sempre lado a lado das políticas públicas de saúde, bem como outras ações organizadas por instituições governamentais e não governamentais, sociedade civil e órgãos regulamentadores.

O papel da comunicação e saúde, na esfera pública, perpassa pela promoção da discussão, conscientização, pulverização de conhecimento. Tais objetivos se tornaram mais claros quando, em 1997, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou, na Europa, a Rede de Comunicações em Saúde (EHCN – European Health Communications Network). Dois anos mais tarde, a rede ganhou proporção mundial com a instituição da Rede de Comunicação em Saúde Mundial (WHCN – World Health Communications).

Dentre os seus objetivos, todos listados no site da organização, destacam-se:

  1. Incentivar a comunicação entre a sociedade e os profissionais da área de saúde;
  2. Conscientizar as pessoas – anônimas e formadores de opinião – sobre a importância do seu papel na promoção da saúde;
  3. Aprimorar a relação entre os profissionais da saúde, instituições governamentais e meios de comunicação.
  4. Permitir comparações de dados estatísticos de saúde entre os mais diversos países.

Nesse sentido, vale lembrar que, assim como em outras situações, o processo de comunicação na área da saúde precisa ser transparente, adotar a linguagem clara e objetiva (evitando e/ou traduzindo, sempre que for necessário, terminologias técnicas para que sejam compreendidas pela população) e, fundamentalmente, nessas situações, é preciso reconhecer, considerar e respeitar as tradições, os valores e culturas das diferentes comunidades.

Contudo, além da comunicação e saúde voltada para a esfera pública, vamos iniciar, agora, a discussão sobre o segundo contexto que apresentamos no início desta unidade, a Comunicação em saúde voltada para o paciente – também conhecida como Comunicação clínica ou Comunicação centrada e adequada aos pacientes. Essa esfera de comunicação em saúde é muito sensível, porque trata do momento em que um indivíduo – na maioria das vezes, não saudável – busca atendimento para suprir uma determinada necessidade, resolver um problema, quiçá procurar salvar a própria vida. Além disso, a comunicação com viés no paciente também envolve a comunicação com os familiares, com as equipes multidisciplinares, com cuidadores e amigos, dentre outros.

A qualidade da comunicação, nesse momento, é imperativa, uma vez que ela poderá determinar, inclusive, o sucesso ou o fracasso do tratamento proposto e/ou necessário, pois os pacientes tendem a responder e a aderir melhor aos tratamentos quando a comunicação é assertiva, porque, assim, ela é capaz de estabelecer relações de confiança.

Por Comunicação clínica podemos entender, conforme foi apresentado no livro Comunicação clínica – aperfeiçoando os encontros em saúde, como sendo o compartilhamento de informações e interação entre os profissionais e pacientes que procuram os serviços de saúde.  E, além disso, eles apontam que é de fundamental importância que a comunicação clínica ocorra de forma adequada. Quando há problemas nessa comunicação, pode haver consequências negativas em diversos níveis, desde um engano na data de uma consulta até situações mais graves, como cirurgia feita na pessoa errada. Dessa maneira, é importante que profissionais de saúde e pacientes consigam cumprir duas funções comunicativas básicas. A primeira é a troca de informações, em que ambos compreendam o que está sendo comunicado e possam se expressar para transmitir sua mensagem. A segunda é o estabelecimento de uma relação que seja saudável e terapêutica – idealmente, para ambos (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 27).

A comunicação, nessa esfera, passa a ser um dos pilares do processo de cuidado e, para isso, faz-se necessário desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas e de habilidades específicas para esse tipo de situação, a fim de que a conexão com os pacientes seja realmente efetiva. Nesse contexto que estamos estudando agora, existem vários tipos.

DICA

Quer verificar se a sua comunicação com o paciente foi efetiva?
Peça a ele para repetir, com as próprias palavras, o que foi compreendido durante a consulta ou durante um processo de interação, cuja compreensão literal se faz necessária.

HABILIDADES ESSENCIAIS PARA COMUNICAÇÃO CLÍNICA EFETIVA

Já estudamos, em alguns momentos nesta disciplina, o que é comunicação efetiva, no entanto, a partir de agora, comunicar-se de maneira efetiva estará relacionado ao fato de saber ouvir o paciente, os colegas da equipe, encorajar conversas francas e sinceras e conseguir considerar questões como cultura e língua em um momento de interação.

Comunicação efetiva é entendida como um procedimento de interação entre o profissional de saúde e outra pessoa, seja ela uma paciente, um cuidador ou outro profissional de saúde, em um contexto de cuidado, no qual as características individuais de ambos são levadas em consideração e a relação entre essas pessoas leva ao acolhimento, ao diálogo e ao entendimento mútuo (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 29).

Conseguir efetividade nesse processo é fundamental para a eficiência e apoio, bem como melhoras nas respostas terapêuticas e na satisfação entre pacientes e profissionais. De acordo com Dohms e Gusso (2021, p. 31), existem pesquisas que apontam que 70% dos processos de erro médico, por exemplo, estão relacionados a divergências na comunicação, como o abandono do cuidado, o menosprezo pelo ponto de vista do paciente e a falta de empatia. Por isso, atente-se a todas as dúvidas do paciente, leve em consideração não somente a dor e a doença, mas também

inquietações, angústias, medos e qualquer outro tipo de reação que possa, porventura, indicar uma negação ou apatia diante de tudo o que terá que ser feito, a partir de um diagnóstico difícil. Se, por acaso, você sentir, durante o processo de interação, que ele não está compreendendo, peça que grave a consulta ou faça um resumo, por escrito, dos principais pontos discutidos e apresentados. Caso o paciente não domine a linguagem escrita, instrumentos como a linguagem não verbal, como ilustrações, gráficos e figuras podem ajudar bastante durante o processo. Outra técnica muito utilizada é a disponibilização de vídeos ,  que complementa e ilustra o diagnóstico. 

No entanto, apesar de todos os recursos para que a comunicação efetiva aconteça, é preciso desenvolver algumas habilidades. A primeira delas é o planejamento pessoal para realizar o atendimento. Nesse processo, é preciso organizar o ambiente, preparar os materiais que necessários ao diagnóstico, rever o prontuário (caso ele já exista, advindo de interações anteriores) e controlar a própria emoção, uma vez que o descontrole emocional em situações extremamente difíceis impacta verdadeiramente a assertividade da comunicação com o paciente. Outra habilidade essencial perpassa pela organização do tempo – um atendimento deve ser dividido entre a escuta ativa e a fala.

Ouvir a motivação que levou o paciente a procurar um serviço de saúde é indispensável para a análise correta, assim como compreender quais são suas expectativas diante dessa ação. Em terceiro lugar, é muito importante que a tomada de decisão seja compartilhada, e isso significa que a pessoa deve ter suas necessidades e percepções valorizadas durante todas as etapas da entrevista clínica, inclusive na hora de prescrever o tratamento. A tomada de decisão compartilhada implica que o profissional de saúde oferece as opções de tratamento com base nas melhores evidências científicas, e tenta envolver o paciente na decisão e saber o que ele pensa a respeito do plano terapêutico. O profissional e o paciente encontram, juntos, a melhor opção de forma individualizada (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 13).

Mas… Vamos voltar a falar, neste momento, da entrevista clínica, pois ela é uma das habilidades mais importantes dentro desse processo. Para realizá-la, é preciso, também, desenvolver algumas técnicas. A fim de facilitar a sua compreensão, vamos adaptar um quadro com base em todas as habilidades descritas por Dohms e Gusso (2021, p.11), para realizá-las sem cometer erros.

Quadro 8 – Habilidades essenciais para comunicação clínica

AÇÃO DESCRIÇÃO
Perguntas abertas
Faça perguntas abertas durante a conversa. Elas podem começar por como, o que ou por que. Lembre-se de que elas podem ser realizadas em qual situação e são uma das técnicas mais importantes para darmos voz ao paciente, incentivando-o a e repassar o maior número de informações possível.
Comunicação não verbal
Não existe forma mais transparente para conectarmos verdadeiramente com as pessoas do que a comunicação não verbal. Acene com a cabeça, por exemplo, enquanto o paciente narra a história, mantenha o contato visual, não se distancie do paciente, ou seja, ao fazer suas anotações durante a consulta, intercale o olhar entre paciente e tela do computador ou folha de papel, por exemplo, controle a respiração e mantenha a expressão facial que demonstre empatia e respeito em todo o processo, sem demonstrar reações como ironia, desconfiança ou mesmo menosprezo pelo que está sendo ouvido.
Encorajamentos verbais curtos
Encoraje o paciente, com verbos de ação, a continuar relatando a situação. Por exemplo: Continue! Fale! Etendo! Isso mostra o quão interessado você está em ouvir os fatos narrados e estabelece relações de confiança.
Reflexões em espelho
Explore um determinado assunto utilizando expressões do próprio paciente, sem introduzir qualquer diagnóstico ou dado clínico. A reflexão em espelho é muito usada como forma de avaliar o comportamento do paciente, provocando nele reflexões – de maneira subentendida – sobre si mesmo.
Seguimento de pistas verbais
Sempre que possível, utilize as expressões, frases, ideias ou palavras do próprio paciente em seu discurso, em momentos posteriores aos quais elas foram ditas.
Paráfrase
Mostre ao paciente uma ideia que ele mesmo transmitiu, mas usando as suas próprias palavras, a fim de verificar se ele está consciente sobre o que fala e concorda ou não com o que ele mesmo está dizendo.
Sumários / Resumo
Técnica super importante para que seja permitido rever a história do paciente, condensando-a, indicando-lhe que foi ouvido e dando-lhe a oportunidade de corrigir algo que não corresponda ao que foi dito ou acrescentar algo que falte.
Linguagem positiva
Trata-se de uma estratégia muito eficiente na utilização da linguagem e pode impactar a forma como a pessoa sente e/ou percebe algo a respeito de si mesmo. O uso da linguagem positiva possibilita a percepção e/ou construção de atitude positiva e afirmativa, que tranquiliza o paciente, melhora a comunicação, gera otimismo, gentileza, ameniza a dor e o impacto de notícias desagradáveis.
Escuta ativa
Refere-se à participação ativa do profissional na consulta, prestando atenção ao conteúdo verbal e não verbal do paciente, focando nas pistas deixadas por ele durante a interação e demonstrando verdadeiro interesse por tudo o que está sendo dito.
Finalização
Trata-se do momento de encerramento da entrevista e sua função é estabelecer o entendimento do paciente sobre tudo o que foi tratado durante a consulta. Nessa fase da consulta, atendimento e/ou interação, é muito importante que seja verificado se o paciente realmente compreendeu tudo o que foi dito, solicitando a ele que faça um breve resumo dos principais pontos, de maneira verbal. Qualquer inquietação ou incerteza nessa ocasião precisa ser acolhida e esclarecida, com orientações claras, simples e objetivas, além da necessidade de deixar claro sobre a importância da continuidade dos futuros encontros, determinados pelo plano terapêutico construído.

Fonte: Adaptado pela autora, 2023.

ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

Foco. Presença!

Ao realizar um atendimento, é importante centrar todo o discurso e atenção na pessoa e não na doença. Se o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) tivesse uma receita, com certeza, ela seria esta. É preciso lembrar que o indivíduo diante de você é muito maior, mais complexo e potente do que a doença que o acomete, naquele momento.

Focar a atenção no paciente, de maneira integral, significa que é necessário fazer intervenções, orientando-o em todas as fases de acompanhamento e deixando bem claro a importância e o quão ele é protagonista nesse processo. Estabelecer uma relação respeitosa e, principalmente, explicitando como o bem-estar do paciente é importante para você e como você está comprometido ou comprometida com o tratamento, certamente, é a essência para alcançar melhores resultados. Isso acontece porque “a abordagem centrada na pessoa aproxima dois experts, o profissional de saúde, muitas vezes especialista em doenças e o paciente, especialista em si mesmo” (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 48).

Sabe o que isso quer dizer?

Isso significa que os profissionais da saúde devem trabalhar de maneira colaborativa, construindo um tratamento que seja, antes de qualquer coisa, personalizado e adaptado às necessidades individuais de cada pessoa.

Entende, agora, o motivo pelo qual trazer o paciente para ocupar o papel principal do tratamento – de maneira consciente – é importante? Entende o porquê da necessidade de estruturar cada planejamento terapêutico individualmente?

Ter o paciente como protagonista é, seguramente, o primeiro passo para a assertividade e o sucesso de qualquer possibilidade de tratamento. 

O MCCP é ancorado pela Organização Mundial da Saúde  (OMS) que, por meio da Carta de Otawa (1986), apontou ser fundamental “capacitar pessoas para controlar e melhorar a sua saúde”. Segundo o pesquisador José Mauro Ceratti Lopes (2005), em Consulta e abordagem centrada na pessoa, esse modelo de atendimento clínico tem seis partes, que vamos abordar a partir de agora.

  1. Explorar a doença e a experiência da pessoa com a doença: isso implica em entender dois aspectos fundamentais. O primeiro é o conceito de doença, que consiste nas “alterações no organismo, traduzidas por sinais, sintomas e alterações em exames” (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 49). A doença pode se manifestar por um conjunto de sintomas, perceptíveis ou não, mas, independente disso, ela afeta e altera o equilíbrio do organismo e o seu estado normal de saúde. O conceito a ser compreendido é o de enfermidade, “que são concedidas as manifestações do sofrimento das pessoas, por meio das queixas, problemas, disfunções por elas percebidas” (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 49), ou seja, nem sempre uma pessoa portadora de uma doença se sente enferma e vice-versa e, ao propor qualquer tipo de cuidado para esse indivíduo, o profissional da saúde deve ficar atento a esses dois aspectos, isto é, à doença em si e à experiência, a percepção e a forma como cada um de nós percebe e se relaciona com a doença.
  2. Entender a pessoa como um todo: já falamos sobre isso anteriormente, mas, reforçando, esse aspecto se refere ao fato de que você – profissional ou futuro profissional da área de saúde – precisa olhar para a pessoa de maneira integral, identificando elementos que demonstrem como o paciente se comporta diante da doença, tanto no contexto pessoal quanto no contexto social. 
  3. Elaborar um projeto comum ao profissional de saúde e à pessoa, a fim de solucionar os problemas: esta, com certeza, é uma das principais premissas do atendimento centrado na pessoa, pois se refere a aspectos que acabamos de mencionar, os quais dizem respeito ao protagonismo do paciente a determinação e foco do profissional da área de saúde em resolver e promover os tratamentos necessários para o problema. Somente juntos, paciente e profissional de saúde, conseguirão trilhar um percurso que perpassa pela identificação e conhecimento do problema, clareza nos objetivos a serem alcançados com o tratamento e definição das regras que serão fundamentais para que os resultados positivos se concretizem.
  4. Incorporar prevenção e promoção da saúde na prática diária, o que significa que, durante todo o contato do profissional da saúde com o paciente, em todas as possibilidades de interação, é necessário que exista um fluxo de acompanhamento e atendimento capaz de impulsionar o autocuidado, a prevenção, as práticas saudáveis e, principalmente, a vontade do paciente em desenvolver e ter – no seu dia a dia – uma conduta eficaz para combater as mais diversas enfermidades, preveni-las, diminuir riscos e efeitos da doença, evitar complicações e, consequentemente, inibir qualquer intervenção futura que provoque o risco.
  5. Intensificar a relação profissional de saúde e paciente, a fim de potencializar as possibilidades de recuperação e, ao mesmo tempo, estabelecer relações de confiança que sejam assertivas.
  6. Ser realista, não geando expectativas e falsas esperanças diante da realidade. Esse último ponto também é um dos mais importantes e mais difíceis na interação entre profissionais de saúde e pacientes, porque, diante de situações difíceis e na tentativa de acolher profundamente a dor do outro, muitas vezes os profissionais são levados – mesmo que de maneira inconsciente – a gerarem expectativas irreais, impossíveis de serem alcançadas. Esse tipo de comportamento, em um primeiro momento, parece ser capaz de minimizar a dor e diminuir as possíveis reações negativas que o paciente possa ter, mas, em seguida, com certeza, mostra-se desastrosa, uma vez que, na impossibilidade de acontecer, faz com que o paciente perca a esperança e desconfie de qualquer outra informação e/ou orientação repassada.

COMUNICANDO NOTÍCIAS DIFÍCEIS

Vamos começar o último tópico da nossa unidade com uma cena do 42º episódio da série norte-americana Grey’s Anatomy, lançada em 2005, nos EUA, a qual retrata o início da carreira de um grupo de jovens médicos do Hospital Grace Mercy West, em Seattle, que ingressam na instituição ainda residentes e vão vivenciando várias situações durante a sua trajetória. A cena em questão retrata a saga da protagonista Meredith, uma jovem médica residente que sensibiliza um grupo de colegas ao falar sobre as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde ao serem obrigados a dar uma má notícia aos familiares e/ou amigos sobre o óbito de um determinado paciente.

E você, como reagiria em situações como essa?

Lidar com as próprias emoções ou as reações emocionais dos pacientes e familiares, após a comunicação de uma má notícia, consiste em um dos grandes desafios para os profissionais da área da saúde. Por isso, preparar-se para esse momento fundamentalmente estressante é vital. Isso pode parecer óbvio, mas fato é que

comunicar uma notícia difícil, ou seja, aquela que muda de forma drástica e negativa a visão que as pessoas têm sobre o seu futuro, é sempre desafiador. Outra definição sobre notícias difíceis é a proposta por Ptacek:

Qualquer informação que resulte em um déficit cognitivo, comporamental ou emocional na pessoa que recebe a notícia e que persiste por algum tempo após ter sido dada. Afinal, é controverso se a melhor opção seria o tempo “comunicação de más notícias” ou “comunicação de notícias difíceis”. No entanto, cada vez mais se acredita que “notícias difíceis” seria a melhor terminologia a utilizar (DOHMS;  GUSSO, 2021, p. 278).

A maioria dos profissionais,  mesmo aqueles que já exercem a profissão há muito tempo, ainda não se sente capaz de fazer isso de maneira assertiva e tranquila, uma vez que toda ação implica em uma reação, isto é, a interlocução entre os envolvidos durante esse processo jamais será parametrizada e previsível. Várias causas comprometem a segurança do profissional no momento em que precisa comunicar notícias difíceis, como a culpa, o medo do desconhecido, da reação do paciente e seus familiares, de acabar com a esperança das pessoas, de não saber todas as respostas, de não conseguir expressar emoções ou mesmo uma relutância pessoal em falar sobre a morte.

 E isso tudo é muito comum, mesmo quando a comunicação de más notícias acontece diariamente e isso se baseia no fato de que, apesar de poderem ser comunicações similares, a reação dos indivíduos é única, diferente e subsidiada pelos próprios paradigmas, personalidade, questões científicas e apoio social disponível para cada pessoa. Por isso, o treinamento em comunicação de notícias difíceis é fundamental, já que um diálogo bem estruturado pode minimizar o desconforto e a dor de todos os envolvidos no processo, inclusive a do próprio profissional que, em caso de despreparo, passa a assumir comportamentos os quais impactam negativamente o momento, como o fato de querer funcionar como escudo, afirmando para o paciente que, independente da gravidade da situação, o desfecho será positivo; ficar com o mérito da remissão, reação que aumenta temporariamente o bem-estar do paciente, mas em caso de recorrência passa a ser identificada como fracasso; ou controlar a informação, por acreditar que sua exposição pode intensificar a doença.

A comunicação eficaz, nesses momentos, pode diminuir o medo e influenciar positivamente o “ajustamento emocional, a relação e a adesão terapêutica, o prognóstico, a ocorrência de processos e o desgaste emocional” (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 279).

Dentre as inúmeras maneiras de se fazer isso, uma das principais é a honestidade, que consiste em falar a verdade, de maneira sensível, não criando expectativas irreais nas pessoas, independente da gravidade da situação, mas mantendo o discurso da esperança, a empatia e a capacidade de direcionar a reação dos pacientes para a terapêutica, uma vez que eles são agentes transformadores, autônomos e empoderados, ou seja, essenciais para o sucesso do treinamento. A mensagem deve ser clara e você precisa estar pronto para esclarecer todas as questões advindas desse momento.

Cerca de 85% a 90% dos pacientes deseja receber informações a respeito do seu diagnóstico ou sintomas e opções de tratamento, bem como sobre os efeitos secundários e prognóstico. Os pacientes também desejam que os profissionais de saúde cuidem deles até o final, não os abandonem e que os protejam do seu sofrimento. É de grande importância que a comunicação seja um diálogo com perguntas abertas, para que o paciente consiga expressar melhor os seus sentimentos (DOHMS; GUSSO, 2021, p. 281).

O protocolo de SPIKES é um guia que pode ajudar na comunicação de notícias difíceis, organizado no ano 2000, por médicos norte-americanos, com objetivo de recolher informações dos pacientes, transmitir informações médicas, proporcionar suporte e introduzir sua colaboração no desenvolvimento de uma estratégia terapêutica para o futuro, mesmo que de maneira paliativa. Ele é composto por seis passos:

  1. O primeiro passo é o S (setting up the interview), ou seja, trata-se da preparação. Antes de comunicar ao paciente uma má notícia, você precisa estar pronto. Inteirar-se sobre o assunto, antecipar possíveis reações, preparar-se tecnica e emocionalmente para os questionamentos possíveis
  2. O segundo passo é o P (assessing the patient’s perception), isto é, perceber o que e quanto o paciente sabe. Trata-se da compreensão sistêmica sobre o entendimento do paciente a respeito da situação a qual está vivenciando. Faça questões abertas e deixe o paciente falar claramente sobre a situação problema.
  3. O terceiro passo é o I (obtaining the patient’s invitation), isso significa que você deve conseguir determinar o quanto o paciente quer saber sobre a sua real situação. Muitos desejam obter informações detalhadas, outros preferem se esquivar dessa premissa.
  4. O quarto passo é o K (giving the knowledge and information to the patient), ou seja, a partilha de informações. Esse momento deve ser marcado pelo compartilhamento de informações de maneira franca, direta, objetiva, clara – traduzindo sempre os termos técnicos –, mas sem deixar de lado a afetividade. O repasse das notícias difíceis deve acontecer de maneira gradativa, sempre perguntando para o paciente se ele está compreendendo a situação.
  5. O quinto passo é o E (adressing the patient’s emoticons), que diz respeito a responder às emoções do paciente, de forma empática e afetiva.
  6. O sexto passo é o S (strategy and summary), isto é, estratégia e resumo, plano de seguimento. Traçar as estratégias para o futuro, as formas terapêuticas é importantíssimo e saber em que momento isso deve ser abordado, durante a comunicação de notícias difíceis, fundamental.

A boa relação entre os pacientes e os profissionais de saúde quando uma notícia será comunicada é vital, pois as habilidades comunicativas demonstram uma importância decisiva no modo como o paciente lida com situações difíceis.

Para finalizar a nossa disciplina, gostaríamos muito que vocês assistissem – integralmente – o TEDx da Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, médica formada pela FMUSP e especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e Universidade de Oxford, além de pós-graduada em Intervenções de luto. Ela foi a responsável pela implantação das Políticas Assistenciais da Avaliação da Dor e de Cuidados Paliativos do Hospital Israelista Albert Einstein e é sócia Fundadora da Associação Casa do Cuidar. Ela vai explicar, durante todo o vídeo, a dificuldade em falar sobre a morte para pacientes terminais e como o papel dos profissionais de saúde podem ser significativos nesse processo.

Então, vamos lá!

Respirem fundo e cliquem no vídeo.


A morte é um dia que vale a pena viver – Ana Claudia Quintana Arantes.
http://www.youtube.com/watch?v=XL25xUM4BlY&t=43s

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